domingo, abril 15, 2007

Mal se meteu na cama, lembrou-se da sua colega de carteira dos tempos do colégio.Tinham temperamentos muito diferentes, porque a amiga andava sempre triste. Durante a adolescência, e por mais que ela lhe quisesse mostrar o lado belo da vida, falava muitas vezes em matar-se. «Há só uma maneira de o fazer», dissera-lhe numa manhã de domingo, enquanto passeavam pela praia. «Entro no mar e vou sempre em frente, aé desaparecer coberta pelas ondas. Seria uma morte suave, não achas?» Dessa vez, Salvacion não respondera, não conseguia compreender como se podia desejar a morte.
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Voltou-se também para o mar, meteu um pé na água, depois o outro e começou a avançar.As ondas eram grandes e frias, mais do que ternas carícias eram bofetadas. « Será que aqui também há Peixes-Papagaio?», pensou.Sentia-se estranha. Era ela, Salvacion, quem andava na água e se via a andar na água?Nunca lhe tinha acontecido uma coisa assim.Quem era Salvacion? A que caminhava ou a que se via caminhar?
Mal a água lhe chegou ao queixo, sentiu um arrepio de frio e parou por um instante. Pensou: « Os peixes-Papagaio têm a sua anémona, e os homens têm o seu anjo-da-guarda.» Uma nuvem pequena e redonda tinha escondido o sol. A água, antes azul, passou a ser cor de aço.
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