sábado, abril 30, 2005

MEU NOME É NINGUÉM

Nunca tive um nome, por isso, quando cheguei aqui, nem sabiam como me chamar.
Recibi o apelido de Cão Ninguém, e estão me chamando de Ninguém. Mesmo assim, estou grato porque acho esse um bom nome, significa não estar, não ser, não existir. Gostaria de não ter existido. Isso pode parecer estranho para vocês, mas eu preferia que fosse assim.
Quando minha mãe me pôs no mundo, ela deu-me uma grande e demorada lambida e ganindo baixinho desejou que eu fosse feliz, tivesse o melhor dono desse mundo, muita comida e uma boa casa para morar. Infelizmente os desejos dela nunca se realizaram. O tempo que passamos juntos foi bom, ela alimentava-me assim como aos meus irmãos,ensinava-me coisas que achava serem úteis no futuro: latir para defender a casa, correr e lutar para defender os meus donos, procurar alimentos caso não os tivesse em fartura, pois às vezes os nossos donos são pobres e não podem suprir nossa fome por inteiro.
Aprendi tudo direitinho, como ela me ensinou. Aprendi a fazer festa, sacudir o rabinho, pedir, obedecer, tudo.
Um dia, quando tinha apenas um mês e meio de vida, um homem veio-me buscar. A minha mãe murmurou ao meu ouvido: Veja, filhinho, esse é o seu dono. Faça-o feliz e feliz será. Chorei quando aquelas mãos gigantes me arrancaram do convívio de minha família e me levaram para longe.
Nunca mais os vi.
Na primeira noite chorei de saudades. O barulho irritou o homem que me deu um pontapé. Assustado, encolhi-me junto ao muro perguntando porque tinha de passar por isso.
Continuei naquela casa, bebendo água que a chuva acumulava ou de um pote sujo que ele, às vezes, enchia. Alimentava-me com restos de comida ou uma quantidade minúscula de ração. Fui crescendo magro, triste e solitário.
Até aquele dia. Encontrei um saquinho com restos de comida e meu estômago doía tanto de fome!
Não resisti: fui até lá e rasguei o saquinho para pegar um pedacinho de osso que havia. Mas o homem viu-me e deu-me um pontapé. Assustado, procurei um lugar para me esconder, mas não encontrei. Eu era apenas um filhotinho, não sabia o que fazer e a minha mãe disse para nunca atacar um ser humano! Ele deu-me outro pontapé, outro e mais outro. Pegou num pau e começou-me a bater com força. Senti o barulho das minhas costelas partindo-se, os ossos das minhas pernas, uma dor insuportável que me
fez gritar. Furioso com meus gritos ele amarrou o meu focinho, atou-me entre dois paus e continuou a bater, bater, bater... Nunca imaginei que houvesse tanta dor para sentir. Nunca pensei que iria sofrer tanto nas mãos de um humano. Eu confiava nele, estava crescendo para cuidar sua casa, protege-lo, ama-lo. Ele bateu tanto que meu coração se rompeu e o sangue começou a sair pela minha boca. Ouvi gritos de vizinhos, mas a morte correu ao meu encontro, abraçou meu corpo sem vida e levou-me para longe daquela maldade tão grande!
Onde estou existem outros cãezinhos e alguns contam-me que tiveram donos bons, outros relatam-me factos semelhantes. Não quero mais voltar. Prefiro ser um cão morto a ter de passar por tudo aquilo novamente. Não quero mais saber de humanos, apesar de alguns, dizem, serem bons. Não quero mais, de modo algum.
Meu nome é ninguém e, por favor, esqueçam que existi!